Maioria silenciosa: o lugar da meia idade no Brasil

O que explica um recorte que concentra números, poder de compra e inúmeras oportunidades e desafios receber tão pouca atenção?

Não olhe para cima frente

A discussão sobre futuros possíveis é uma febre. Todo mundo é ou quer ser futurista. Se a gente contasse as palavras dos títulos das palestras de um evento como o Hacktown, onde estive semana passada, “futuro(s)”, “possíveis”, “desejáveis” e, claro, IA, seriam as mais numerosas. Lembra um pouco o que aconteceu com o Design Thinking na década passada. Talvez seja um sinal dos tempos. Se nos anos 2010, a gente estava mais coletivamente empolgado com as possibilidades da tecnologia e queria desafiar caretices corporativas, nos anos 2020, o clima está tão pesado e sombrio, em parte por causa da concentração de poder na mão de pouquíssimas empresas e indivíduos que realmente seja um desafio imaginar desfechos mais otimistas e menos distópicos.

Mesmo assim, a grande maioria desses imaginadores de futuros melhores ignoram um presente urgente - talvez porque ele não seja tão sexy ou engaje tanto nas mídias. Estamos rapidamente nos tornando um planeta de meia idade. Praticamente todos os países do Ocidente e vários dos BRICS, inclusive nós brasileiros, estão chegando nos 40 anos de idade mediana. Os EUA, mesmo atraindo muitos imigrantes mais jovens, está nos 38,5. Na União Européia, já era 44,5 em 2023. Na China já é 39.

O mundo do marketing, em bens de consumo em particular, com exceção de algumas poucas marcas como o Boticário, parece estar mais preocupado com a trend da semana ou tentar fazer engenharia reversa do sucesso dos Labubus do que ajustar a estratégia para talvez a maior transformação demográfica da história do Brasil.

Nos próximos 15 anos, nossa população 60+ vai passar de 16% para 28%, ao mesmo tempo que todos os blocos mais jovens vão diminuir significativamente sua proporção no todo, com exceção dos 40-59 que vão se manter em mais de um quarto da população (são 26,2%, o maior dos recortes do Censo, hoje!) - adivinha só onde a responsabilidade vai ficar concentrada? Em uma fase da vida caracterizada pelo peso das responsabilidades e por ser o período menos feliz e satisfeito da vida, mesmo controlando por gênero, cultura e renda. O que não fica imediatamente aparente nestes números é que esse grupo vai ser a maior parte da população economicamente ativa (60% 45+ em 2040, IPEA), o que já deveria estar puxando uma reorganização estratégica geral, olhando para dentro e para fora, em muitas empresas.

Meia idade: o irmão do meio das fases da vida

Diferentemente da ideia de gerações, construída em cima de critérios arbitrários, baseados em eventos americanos e sem qualquer tipo de validação científica, tipo um horóscopo de marketeiro, a meia idade existe e tem características definidas e estudadas na Psicologia, na Biologia, na Medicina e está presente como fase da vida com ritos e símbolos demarcados em diversas culturas, ainda que o intervalo exato de idades tenha alguma variação por questões genéticas, ambientais e sociais.

Tem muita gente que chama esse bloco, de forma simplista, de geração sanduíche, porque muitos precisam conciliar o cuidado com filhos ainda dependentes e pais idosos, o que é uma verdade importante, mas parcial - por mais que o número de pessoas que cuidam de idosos esteja aumentando dramaticamente, nunca tivemos tantos casais sem filhos, pessoas morando sozinhas e tão poucos domicílios multigeracionais no Brasil.

Talvez o sanduichamento que a gente deve discutir mais é o dessa fase da vida entre a obsessão pela juventude e uma preocupação legítima com o envelhecimento populacional - não só porque os desafios (e oportunidades!) são muitos, mas também porque eles lideram hoje 40% dos lares brasileiros e detém a maior massa salarial não só no Brasil, mas em vários lugares do mundo.

Se uma parte importante do trabalho de marketeiros e empreendedores ao redor do mundo é encontrar mercados mal atendidos e dores para serem resolvidas, o que explica um recorte que concentra números absolutos, influência, poder de compra e diversos desafios e dores mal endereçados receber tão pouca atenção?

Julgamentos, estigmas e um futuro que depende deles

Apesar de termos inúmeras evidências científicas, culturais e comportamentais de que estar nessa fase da vida descolou totalmente do que ainda persiste em nosso imaginário coletivo, uma visão cheia de clichês importados, estigmas, julgamentos e preconceitos ainda predomina.

As narrativas dominantes escondem esse status de pária em baboseiras celebradas como insight como “todo mundo quer ser jovem”, enquanto cada vez mais os dados mostram que esse grupo quer mesmo é não ser tratado como cidadão de segunda categoria por metade da vida. Não é que ser jovem é bom ou melhor - é a meia idade que é quase sempre pintada como decadente, frustrada, indesejável, subalterna, ou até perversa em algumas instâncias. A quem isso serve no final das contas?

Enquanto a gente insiste em tratar a meia idade como “carne de segunda”, tanto como mercado consumidor quanto no mercado de trabalho, apesar dessas múltiplas camadas de importância e oportunidades e de muito de nosso futuro coletivo depender do sucesso desse grupo de pessoas através de vários desafios, incluindo empregabilidade, saúde preventiva, possíveis colapsos do sistema previdenciário e de saúde, tanto pública quanto privada, boa parte do resto do mundo já avançou mais tanto em políticas públicas quanto em iniciativas de mercado - temos o privilégio de poder aprender com os sucessos e fracassos deles.

Falei sobre esse assunto em (muito) mais detalhes no Hacktown e a apresentação completa inclui referências nacionais e internacionais em negócios, políticas públicas e uma discussão mais profunda sobre as causas possíveis de essa pauta ser tão pouco discutida.

Se esse é um assunto que te interessa ou se sua marca está procurando white spaces, posso levar a palestra até você no formato atual ou mesmo em um formato workshop. Como sempre, muito obrigado por ler até o final! Nos vemos na próxima edição.

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